sexta-feira, 23 de maio de 2008

O jogar (pensar) coletivamente

“... o que de mais forte uma equipa pode

ter é jogar como uma equipa.”

(Mourinho, 2003)

Segundo Amieiro (2005), a organização defensiva só conseguirá ser verdadeiramente coletiva se as ações tático-técnicas realizadas por cada um dos onze jogadores forem perspectivadas em função de uma idéia comum, respeitando um referencial coletivo, em que as tarefas individuais dos jogadores se relacionam e regulam entre si. O autor ainda afirma que apenas assim o “todo” (a equipe que se defende) conseguirá ser maior que a soma das partes que o constituem (comportamentos tático-técnicos de cada atleta).

Quanto o autor fala sobre “idéia comum” ou “referencial coletivo” é preciso entender que não está se referindo a automatismos fechados, ou algo já estabelecido de forma estanque, mas a princípios que norteiam a ação coletiva da equipe e por conseqüência as ações individuais dos atletas nela inseridos. Pode-se constatar isso no trecho seguinte da sua frase em que se refere às interações entre jogadores (quando diz “relacionam”) e ao processo de feedback (quando diz “regulam”) que ocorre permanentemente durante as ações coletivas e individuais dos jogadores.

Portanto faz-se necessário construir e definir princípios que balizem os comportamentos coletivos (princípios de jogo), visto que o jogo pelo seu caráter imprevisível não permite ações planejadas em sua plenitude, pois vai sendo construído conforme as respostas que seus jogadores vão oferecendo pontualmente naquelas situações. Respostas essas que surgem da interação dos mesmos com sua equipe, com o adversário, com a posição da bola e de um número muito alto de outras variáveis que estão nele inseridos.

A simples informação não altera comportamentos e estes demoram muito tempo para serem alterados (FRADE, 2004). Cabe ao treinador direcionar esses comportamentos para o modelo de jogo que pretende adotar, através de exercícios com complexidade crescente, sempre atuando na zona proximal de conhecimento do atleta com um objetivo final muito definido. O quão elaborado será o modelo de jogo depende da qualidade com que esse processo será aplicado e do conhecimento que o treinador tem sobre o jogo.

O objetivo é que a equipe apresente respostas coletivas para a maior quantidade possível de situações que estejam presentes nos quatro momentos do jogo: com a bola, sem a bola, transição defesa-ataque e transição ataque-defesa. Nessa proposta uma equipe pode ter a bola, mas, por estar com vantagem no placar, não quer dar profundidade ao jogo e quer defender-se com a posse. Suas movimentações são bem diferentes de quando ela precisa marcar gol. Caso algum(ns) jogador(es) não estejam com os princípios daquele momento assimilados, pode(m) apresentar respostas incongruentes com os objetivos momentâneos da equipe, realizando movimentações para regiões em que a pressão do adversário é mais intensa, aumentando os riscos de perder a bola e não colaborando com a meta coletiva estabelecida para aquela pontual situação, a manutenção da posse de bola simplesmente. E que fique bem claro com esse parágrafo que “estar defendendo” ou “estar atacando” independe de ter ou não a bola, pelo caráter indivisível que o jogo apresenta ao contemplar os quatro momentos anteriormente citados que se manifestam intimamente relacionados.

Os princípios de jogo estão ligados aos hábitos da equipe, que são resultado da interação dos hábitos individuais dos jogadores, portanto aí deve estar focada a intervenção do processo de treino. Para Frade (2002), o hábito é um saber-fazer que se adquire na ação, portando vivenciar os devidos princípios de uma forma hierarquizada e sistematizada é fundamental para que o objetivo final, ou seja, a implantação do modelo de jogo idealizado pelo treinador baseado no contexto em que se encontra, materialize-se em campo de forma condizente com a proposta inicial.

Referências Bibliográficas

Amieiro, N. (2005) Defesa à Zona no Futebol: Um pretexto para refletir sobre o jogar ... bem, ganhando! Edição do Autor. 2005.

Frade, V. (2002) Apontamentos das aulas de Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.

Frade, V. (2004) Apontamentos das aulas de Metodologia Aplicada II, Opção de Futebol. FCDEF-UP. Porto. Não publicado.

Mourinho, J. (2003) Entrevista ao programa 2ª Parte da SporTV. 14 de maio de 2003.

Leandro Zago

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Reflexões sobre a análise do jogo

Nessa semana o treinador Dorival Júnior fez uma crítica à mídia especializada em futebol após a derrota por 2 a 1 da sua equipe na Arena da Baixada que foi suficiente para que o Coritiba (time deste treinador) conquistasse o título estadual do Paraná. De acordo com o técnico os analistas devem se qualificar mais para ter melhor embasamento durante seus comentários e que passa por essa questão a evolução do futebol brasileiro, visto que, dessa forma chegarão informações de melhor qualidade aos torcedores que consomem esse produto. Realmente passa a ser preocupante esse cenário pelo círculo vicioso que acaba se criando, pois comentaristas limitam-se a falar o que o torcedor entende, com isso os torcedores nunca recebem novas e interessantes informações sobre a leitura do jogo e estabelece-se um nível de mediocridade (no sentido de mediano mesmo) que nunca transcende o atual.

Seguindo essa linha de conduta o treinador acaba sofrendo as conseqüências, pois acaba sempre sendo julgado por pessoas que pouca ou nenhuma informação “tática” tem sobre o jogo, e nessa lista podemos incluir não apenas os torcedores, mas diretores de futebol, presidentes de clubes e narradores esportivos. A leitura paupérrima que a maioria desses citados têm não os permite dar soluções diferentes para problemas diferentes e caem sempre no senso comum, ou quem já não ouviu frases do tipo “agora que foi expulso um jogador do adversário o treinador pode tirar um dos três zagueiros e colocar mais um atacante”, ou “precisa segurar o jogo, pode trocar o atacante por um volante”, “o meia do time A está acabando com o jogo, precisa colar alguém nele” e tantas outras que surgem nas transmissões dos jogos.

Nas transmissões dos Campeonatos Europeus a dificuldade dos especialistas (jornalistas e ex-jogadores) fica evidente quando tentam aplicar uma lógica de solução utilizada no futebol brasileiro (jogar com marcação mista, por exemplo, e todas as suas dinâmicas) ao futebol inglês ou italiano onde se joga marcando por zona e a dinâmica coletiva está totalmente relacionada a essa forma de jogar. Outro dia, um comentarista, ao analisar as dificuldades do Milan (naquele domingo o Milan jogava em uma plataforma 4-4-2 com duas “linhas de 4” marcando por zona e sem o Kaká), disse que o time ressentia de um meia de aproximação e por isso havia uma distância entre a linha média e os dois atacantes. Vejamos, jogando dessa forma que o Milan joga, não há meia de aproximação. Existem sim, dois médios centralizados (também chamados de pivôs defensivos em alguns casos) e dois alas. A distância entre os compartimentos – defesa, linha média e ataque – está relacionada quando em posse de bola a capacidade de ocupação do espaço de jogo de uma forma racional, criando estruturas geométricas que possibilitem a circulação da bola numa velocidade ótima e com possibilidade de mudança de zona sempre que necessário. Assim a equipe criaria linhas de passe no campo ofensivo e seriam possíveis jogadas em profundidade e aproximações em todos os setores. Se isso não ocorrer, uma simples substituição não dará conta de resolver o problema.

A forma de ler o jogo carrega um peso cultural, e a nossa sociedade (brasileira) transfere para o campo a capacidade de definir as coisas individualmente, transformando um jogador em responsável por uma grande vitória ou derrota, ignorando aspectos coletivos. O futebol é um esporte coletivo que engloba ações individuais e coletivas, portanto nenhuma das duas pode ser deixada de lado. Ter os melhores jogadores não é garantia de títulos como vemos todas as temporadas pelo mundo afora, pois a capacidade coletiva que proporciona uma regularidade à equipe, tornando-a muitas vezes independente dos seus grandes craques. Quando conseguirmos discutir um resultado, seja ele uma vitória ou uma derrota, num patamar acima, novos problemas surgirão, porque assim é a vida, mas teremos sido responsáveis por colaborar com a evolução desse esporte que movimenta multidões.

Leandro Zago